13 de maio e o romantismo sobre a abolição.

13 de Maio

A história não dita da falsa abolição.

Por Markus Caetano, Advogado, Curioso e Inconformado com a história do Brasil.

Hoje é um daqueles dias constrangedores na escola, o momento de sermos apontados, comparados, de uma maneira jocosa, pois a história contada dos nossos antepassados gerava piada e era o momento de sermos doutrinados a reverenciarmos uma dita “princesa” pelo seu ato de bravura e humanidade, o pensamento era de:

“Ah se não fosse a Princesa Isabel…”

Passados alguns anos, conhecemos a falsidade da simbologia e como o colonizador romantizou esse conto, aprendemos que a luta para a verdadeira liberdade havia começado muito antes, desde os primeiros africanos sequestrados e forçados a viverem na barbárie chamada escravidão, uma atrocidade cometida por europeus e seus descendentes, a resistência dos escravizados sempre fora presente.

Todo dia 13 de maio ocorre a celebração no Brasil da Lei Áurea que aboliu de maneira formal a escravidão. Pelo olhar do colonizador, exalta-se a figura de pessoas não negras, concedendo-as o título de “salvadores”. Afinal se não fosse pela benevolência dessas pessoas, os meus pares ainda estariam em situação de escravização. Agora passaremos para a realidade!

Preliminarmente vamos levantar um ponto chave. Nós negros queremos e buscamos falar de outros assuntos, também produzimos intelecto, cultura, tecnologia, trabalho, investimentos, música, estudos e etc, não falamos APENAS sobre racismo, preconceito e de como é difícil viver em uma sociedade racista e perversa, porém a história negra deve e será contada por nós e essa é a força, retomar a narrativa histórica, nas palavras do Honorável Marcus Garvey:

“Um povo sem o conhecimento da sua história, origem e cultura é como uma árvore sem raízes.”

Portanto, com o advento das informações, negras e negros passaram a pesquisar, estudar e entender a história de seus antepassados, retomando em minha opinião o orgulho e pertencimento a uma raça grandiosa e pioneira na civilização e construção da humanidade.

Afinal, ocorreu um processo cruel de genocídio – porque genocídio também significa dizimar toda uma cultura, uma língua, pertencimento –  e só recentemente estamos combatendo com esse acesso as informações.

A abolição em si…

Indaga o mestre, majestoso e referência Abdias Nascimento em sua obra “O Quilombismo”:

“Abolição” de Quem?  

Nossos antepassados foram jogados na sarjeta, sem amparo do Estado, muito menos foram reconhecidos como sujeitos de Direitos, foi mais um ato cruel que até os dias de hoje ainda produz efeitos.

Pois bem, para chegarmos até a vigência da Lei Áurea, precisaremos contextualizar os caminhos percorridos até o famoso 13 de maio de 1888. Começaremos em 1831 após a aprovação da Lei batizada de ‘para inglês ver”, a Lei Feijó.

Essa Lei Feijó foi editada por conta de um tratado internacional realizado antes da Independência do país, o Império do Brasil firmou com o Reino da Inglaterra em 1826, que seria extinto em 3 anos o tráfico de pessoas escravizadas (uma vez que a mão de obra escrava não estava mais sendo interessante economicamente).

A Lei declarava que:

“Art. 1º Todos os escravos, que entrarem no territorio ou portos do Brazil, vindos de fóra, ficam livres”.

Qual o objetivo da Lei e do interesse dos ingleses? Diversos autores e pesquisadores chegaram ao consenso de que o interesse da Inglaterra em acabar com o comércio de pessoas no Brasil era estritamente econômico. A Inglaterra estava passando por uma grande transformação social e a Revolução Industrial foi o grande ápice, necessitando assim de consumidores, trabalhadores assalariados para poder trazer indústrias para o país e aumentar o lucro e domínio mundial.

Como tudo no Brasil não é levado a sério, a Lei não foi aplicada, foi apenas uma materialização formal de caráter inteiramente simbólico, para mostrar aos ingleses que o tratado seria cumprido, na prática ficando apenas no papel “para inglês ver”.

O cenário mundial da época já exigia o fim da escravidão, mas o Brasil impediu todos os avanços do abolicionismo, mantando e perpetuando o privilégio branco, com o poder absoluto e controle da sociedade.

O tráfico internacional de escravizados só começou a ter o seu fim com a aprovação da Lei Eusébio de Queiros em 1850, que foi tão bem aplicada que em meados de 1852 o tráfico já havia sido praticamente controlado. Eu disse tráfico internacional, pois o comércio nacional de escravizados continuou a todo vapor em solo brasileiro.

Em 1850 ainda, foi aprovada a Lei de Terras que em síntese dizia que nenhuma terra poderia mais ser apropriada através do trabalho, apenas por compra do Estado. As terras já ocupadas seriam medidas e submetidas a condições de utilização ou, novamente, estariam na mão do estado, que as venderia para quem definisse.

Essa Lei teve como objetivo impedir que os escravos obtivessem posse de terras através do trabalho ou que tomassem posse por qualquer meio, bem como ainda previa subsídios do governo à vinda de europeus para serem contratados no país, desvalorizando ainda mais o trabalho dos negros e negras. Sem direito as terras, ainda existia uma previsão na Constituição Brasileira de 1824 que impedia o acesso dos escravizados à educação, por conta de vários requisitos.

Seguindo a linha do tempo, na guerra do Paraguai, o Governo Brasileiro juntou o maior número de negros e os colocou na linha de frente, como uma espécie de escudo humano, mostrando como os negros eram vistos no país, como meras mercadorias.

Após a guerra, as três leis mais famosas rumo à liberdade da população negra são criadas que foram: Lei do Ventre Livre, Lei dos Sexagenários e a Lei Áurea.

A Lei do Ventre-Livre de 1871 representou uma utopia de uma abolição completa, de uma liberdade efetiva, pois a lei assegurava que os filhos de mães escravizadas seriam considerados livres, mas com a maldade de sempre existiam requisitos. Conforme a lei, quando o filho nascia poderia ficar com a mãe até os 8 anos e depois o dono escravocrata da mãe decidiria se a criança ficaria sob sua posse trabalhando até os 21 anos ou se entregaria essa criança para o Estado, recebendo uma indenização.

E a Lei dos Sexagenários? Primeiro que a expectativa de vida entre os escravizados não permitia esse sonho para uma grande massa e o outro detalhe era que, mesmo com os 60 anos, o escravizado ainda deveria trabalhar por mais 3 anos como forma de indenização ao escravocrata.

As ideias liberais advindas dos europeus passaram a ser difundidas entre os brasileiros, com novas ideias de capital, momento em que se começou efetivamente a debater de fato a extinção da escravidão, pois com o surgimento de empresas, indústrias, a ideia de trabalho e trabalhador estava começando a mudar.

Tornaram-se comuns grupos de advogados, jornalistas, estudantes, professores, políticos a aderirem a campanha abolicionista e manifestações de rua, manifestações públicas, passeatas e comícios onde a palavra de ordem era a única “Fim da Escravidão”.

No Rio de Janeiro e São Paulo a campanha pró abolição começou a ganhar força e apoio de pessoas importantes da época, como José do Patrocínio e Luís Gama.

Refletindo a nova correlação de forças, a 7 de maio de 1888 o Congresso aprovava, por imensa maioria, um projeto de lei com o seguinte texto:

“Artigo 1 °. É declarada extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil”

“Artigo 2°. Revogam-se as disposições em contrário”

Assinado a 13 de maio pela ocupante do trono, Princesa Isabel, o projeto transformou-se na Lei Áurea.

A Lei Áurea simplesmente jogou as pessoas ex-escravizadas para a sua própria sorte, pois o Brasil não criou ou adotou qualquer medida para reinserir essa população gigantesca na sociedade, não existiu nenhum direito fundamental, direito à propriedade, ao trabalho, à dignidade, não foi reconhecido o direito de ser um ser humano.

Muitos dos documentos que poderiam e deveriam ajudar a reconstrução dessa narrativa foram destruídos a mando também do Estado, pois em 1890, o Ministro da Fazenda, Ruy Barbosa, assinou um despacho ordenando a destruição de documentos referentes à escravidão, uns dizem que por medo da onda de pedidos de indenizações dos ex-proprietários de escravizados no país e outros dizem que além desse aspecto, o Ministro quis apagar dos registros históricos os horrores daquele período.

Finalizando essa breve história…

O fim da escravidão estava bem encaminhado por conta das mudanças econômicas no mundo que refletiram diretamente no país e também por ser o último lugar a ainda se utilizar dessa crueldade. Por três séculos, a escravidão foi um dos elementos chaves do sistema colonial e da construção da sociedade brasileira. O negro marcado por essa triste história, não teve como concorrer com imigrantes europeus, vivendo totalmente marginalizado. Os estereótipos e preconceitos criados por brancos perduram até hoje na estrutura social e a vida dos meus pares ainda não é fácil.

Tome a narrativa, pesquise, procure, não deixe que sua história continue sendo contada por quem te menospreza e ainda possui aquele senso de superioridade. Não acho que seja uma data para ser celebrada e sim uma data para reinvindicações, uma data para denunciar o que acontece diariamente no Brasil e no mundo, você meu semelhante sabe, basta sair de casa que a hostilidade da sociedade nos ataca ferozmente.

Os verdadeiros heróis que devem ser lembrados foram Zumbi dos Palmares, Dandara dos Palmares, Anastácia, André Rebouças, Francisco José do Nascimento (o Dragão do Mar), Tereza de Benguela, Luís Gama, José do Patrocínio, Luiza Mahín, Francisco de Paula Brito e entre outros líderes negros e negras.

Bibliografia:

O GENOCÍDIO DO NEGRO BRASILEIRO: PROCESSO DE UM RACISMO MASCARADO – Nascimento, Abdias. 3ª ed. – São Paulo: Perspectivas, 2016.

Manual Jurídico da Escravidão: Império do Brasil. André Barreto Campello. – 1 ed. – 1jundiaí, SP: Paco, 2018.

Da Senzala A Colonia Costa, Emilia Viotti. – 5 ed. – São Paulo: Editora UNESP, 2010.

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